TRÊS
Percebi que o rubro
liquido tinha seu efeito sobre mim, pois estava nauseado.
“É isso, a embriagues está me fazendo alucinar!”
– Pensei.
Tentei ascender à luz, apalpei o
interruptor uma, duas, três vezes em vão. Ascendi uma vela.
Deitado naquele leito de solteiro, que
nunca antes tinha me parecido tão imenso, desconfortável e gélido, meu olhar
perdeu-se na chama bruxuleante que parecia dançar suavemente, mas, à medida que
o tempo passava, o ritmo foi tornando-se mais intenso, algo chocante e
selvagem. O leito começou a girar velozmente, agarrei-me com força aos lençóis
de grosso algodão para não ser lançado longe. Todos os objetos, tudo o que
existia ali parecia dançar, festejar. Os quadros nas paredes riam
deliciosamente, até as próprias paredes contraiam e expandiam.
Eu sentia uma solidão terrível, estavam
zombando de mim. Rindo-se de mim. Festejavam contra mim. Uma fúria crescente me
dominava, então berrei com todas as forças de meus débeis pulmões.
Chamei por ele, eu precisava dele. O
Nada, onde ele estava naquele momento? O que estaria fazendo? Por que não
enfrentei o meu medo e continuei nos Lamentos com ele? Por mim ele havia tomado
forma, por mim criou vida, tinha de estar ao meu lado. E se alguém se
aproximasse dele? E se ele não viesse mais até mim? Se outro aparecesse? Sentia
remorsos por tê-lo deixado, ciúmes por uma beleza, uma vida, um alguém que não
existia.
De repente aquela festa inanimada, insana, sem
som, aquele espetáculo monstruoso, cessou, tudo estava em seu lugar como antes,
coisa alguma se movia a não ser a chama da vela que balançava.
Aos
poucos aquele ponto de luz, que tinha iluminado tudo até ali tão bem, foi-se
tornando menor. As coisas a minha volta pouco a pouco foram sendo engolidas
pela escuridão. Um grande peso estava sobre minhas pálpebras, os músculos dos
meus membros superiores estavam doloridos e cansados, só aí percebi o quanto de
força tinha feito para não ir ao chão, quase não podia movê-los, eu mesmo
estava exausto física e mentalmente.
Muito
embora precisasse, eu não queria, eu não podia. Mas a chama estava cada vez
mais distante, menor. Jogaram areia em meus olhos, senti uma presença outra que
não a minha. Comecei a virar-me, revirar-me, mexer-me, remexer-me naquele
leito, entretanto sempre com os olhos fixos na chama. Minhas narinas foram
invadidas por um forte odor, algo que remetia a eras passadas, outros tempos. Um
cheiro de calêndulas, rosas, damas-da-noite e jasmim, acho que o mesmo das
histórias contadas sobre ele, um perfume capaz de seduzir os homens, as
mulheres, amansar qualquer fera, enfurecer qualquer donzela. Aquele cheiro era
o do atroz destino, do senhor atemporal, do senhor da Dama-das-Camélias.
Não, não e não..., a chama estava quase
sumindo, não conseguia relaxar, e, se o fizesse, poderia esquecer tudo.
Não,
não ainda!
Escuridão... Adormeci.
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