CINCO
A tarde caia abafada, mesmo uma brisa que soprasse
vez ou outra era quente. Tinha-se a impressão de que naquela tarde a própria
vida estava preguiçosa por causa do calor. Já fazia certo tempo eu esperava.
Apesar de sua aparente indiferença e frieza, eu sabia que ele, o Nada,
voltaria, afinal foi eu quem o tinha vivido. Mas à medida que a espera se
tornava maior, eu sentia raiva.
Eu tentava controlar aquilo, não
conseguia, era muito mais forte que minha vontade. Algo me consumia, queimava,
uma sensação oprimente, terrível. Levantei-me e comecei a andar, sem rumo, a
passos vagarosos.
Tão
vagarosa quanto meu caminhar a noite chegou, junto a ela, somando-se ao que eu
já sentia, outra vez mais, a solidão - ainda mais forte e aterradora do que na
véspera.
Encontrei-me
com uma alma ainda mais perdida e confusa do que eu; era um amigo que eu pouco
via, mesmo assim era confortável vê-lo. Era um rosto conhecido, que se alegrava
em me ver. Dali a momentos depois, estávamos sentados num verde tapete,
ressequido pelo Sol, riamos de coisas tolas, tomando do rubro liquido que, de
tão quente, tinha gosto meio salobro. Mas o que importava isso? O sabor daquele
líquido não tinha importância se comparado ao celebrar da amizade.
Após ele ter dito uma asneira qualquer
e ter feito a nós dois rir quase que a exaustão, fez-se um silêncio
constrangedor, isso durou, acho, uma eternidade de uns três quartos de minuto.
Joguei-me naquele tapete duro e áspero e fiquei contemplando a imensidão
daquele céu negro da noite. Estava imaginando, em alta voz, para onde iria
aquele infinito, fui interrompido por meu amigo:
_Nossa!
O que você tem hoje?
_Eu? Eu nada! Respondi.
_Tem sim. Você está diferente, tem
alguma coisa estranha contigo.
_Como assim?
_Não sei explicar, mas é que você é
sempre tão igual, desde que te conheço, você é sempre a mesma coisa, e hoje
está mudado.
_Estou como sempre.
_Não mesmo. Percebo apreensão e encantamento
em você. Sinceramente, você nunca esteve de aparência, ao mesmo tempo, tão bela
e séria.
_Você está alucinando!
_Deve ser mesmo, hoje é a segunda coisa
estranha que percebo.
_ O que mais você viu?
_De tarde eu vi passar por mim uma
pessoa realmente diferente.
_Diferente como?
_Ele andava como se estivesse se
acostumando a isso, mesmo assim não vacilava ou hesitava. Seu olhar era
curioso, porém vago, não parecia ser um homem, parecia uma espécie de sombra. Tenho
certeza de que ele não é daqui, aliás, não deve ser de lugar nenhum.
_Que caminho ele fazia?
_Subia pelo Caminho das Pedras de Rosas,
em direção ao Vigia de Mármore.
Ao ouvir isso, num ímpeto, levantei-me,
por hipotensão, somada a boa dose do rubro líquido que eu havia ingerido, tive
uma vertigem, só não fui ao chão por que o meu acompanhante me segurou.
_Preciso ir até lá!
_Até o Vigia de Mármore?! O que você
quer naquele lugar? Aquela sombra, você o conhece? Quem é ele?
_Por favor, não faça perguntas, depois
eu explico tudo. Tenho que ir e tem de ser agora.
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