terça-feira, 6 de dezembro de 2011

NADA E TUDO - Título Provisório - CAPÍTULO 4


QUATRO

O dia, cheio de vapores pesados e tediosos, já ia alto quando acordei. Tinha sido uma noite difícil, um sono estranho, pesado, sem sonhos, pareceu-me que eu pouco havia repousado, pois me sentia muito cansado ainda. Meu corpo inteiro, principalmente os braços, estava dolorido, minha cabeça latejava. Passei algum tempo ensaiando levantar-me, mas faltava-me ânimo e forças.
Os raios de luz que passavam por entre as frestas iluminavam irregularmente. Eu, deitado, ouvindo o som da vida correndo no ambiente exterior e da minha própria respiração, fazia um balanço sobre aquela estranha noite.
Eu revivia, mentalmente, cada cena da véspera e, apesar do calor, cada vez que me lembrava dele, de seu toque, de seu beijo, sentia um arrepio gelado percorrer minha espinha. Entretanto, naquele momento, a sensação mais estranha que eu sentia era quando me lembrava de seu olhar.
Seu olhar era frio, impessoal, algo perdido entre a inocência de uma criança e a tortura animalesca de um viciado em jogo. Parecia quente de desejo, porém um desejo que coisa alguma seria capaz de impressionar ou satisfazer com o que quer que fosse. Olhos que já viram muita coisa, de quase tudo, mas que não se impressionava. Parecia ter sede. Sede de ser visto, de ver, fome de vida!
Então senti sua falta, ele já fazia parte de mim, já o amava, precisava dele desesperadamente. Mas como encontrá-lo? Era o Nada por quem eu havia me apaixonado. Era impossível saber de onde vinha. De todos os lugares ou de lugar nenhum? Existiria alguém que o conhecesse e que me apontasse o caminho?
O desespero passou a apoderar-se de mim, de súbito levantei-me, escancarei as cortinas e janelas, a claridade exuberante invadiu o aposento de uma só vez, minha visão turvou-se. Tentando fugir da luz, me virei, deparando-me com um espelho, percebei um brilho diferente em meus próprios olhos, havia novas expressões naquele rosto, julguei, seriamente, se aquele era mesmo eu. Sim, era realmente eu, só que agora estava impressa em meu rosto uma prova irrefutável do amor que eu sentia. Tudo o que eu via diante daquele espelho era a imagem assustada da felicidade sofrida.
Em pouco tempo esta eu lá, novamente, exatamente como na véspera. Nos Lamentos, sentado no cálcio moldado eu esperava por ele.
À tarde mal havia principiado quando o Nada apareceu. Depois de um comprimento breve e sem importância seguiu seu caminho, como se o que tivesse acontecido não tivesse tido nenhuma importância. Fiquei sem saber o que pensar ou fazer, sua indiferença doeu em mim. Aquilo não podia ser. Foi por mim que o Nada tomou forma, foi por mim que ganhou uma vida. Por mim, tinha sido por mim!

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