terça-feira, 20 de dezembro de 2011

NADA E TUDO - Título Provisório - CAPÍTULO 6



SEIS
 A Lenda da Rosa e do Vigia

        Há muito tempo atrás, antes mesmo de o tempo começar a ser contado, onde hoje está o Vigia de Mármore, existia o pico de uma alta colina. Conta à lenda que esse lugar era parecido com a mais perfeita descrição que se possa fazer do paraíso.
         Nessa época vivia ali uma linda jovem, tão bela quanto aquele lugar. Entretanto ela era egoísta, impiedosa, má. Por pura diversão, usando de sua beleza e encanto, fazia os homens se apaixonar por ela apenas para fazê-los sofrer. Quando o desespero por essa paixão chegava às raias da insanidade, ela os fazia retirar uma grande pedra de uma aglomeração calcária que existia ali perto. Prometendo-lhes ternura e afeto, os fazia depositar esse bloco na trilha que dava acesso ao pico, e tudo isso em um só dia. Quando acabavam, ela os atraia para uma roseira tão grande e densa, de espinhos tão fortes e pontiagudos, tal qual estacas, que nem mesmo os pássaros ousavam pousar lá para construir seus ninhos. Os homens, enfraquecidos pelo trabalho árduo, eram facilmente atirados e morriam, não exortando ou amaldiçoando, mas, empalados, soltavam um doce murmúrio de dor pela paixão não correspondida e pela traição sofrida. Assim foi construído todo o Caminho das Pedras de Rosas.
         Mas um dia ela apaixonou-se perdidamente por um forasteiro. Pela primeira vez em sua vida ela sentiu seu coração sangrar, pois, também pela primeira vez, o forasteiro parecia não ter se apaixonado por ela.
         Cheia de fúria, paixão e ódio, mandou que erguessem um pedestal no alto da colina, bem em frente à roseira. Em cima daquele pedestal foi posta uma enorme estátua oca, feita de mármore e faltando a cabeça, então ela própria arrancou quase todas as rosas, deixando apenas uma, e depositou-as no interior do monumento. Depois mandou trazerem seu amado que foi atirado dentro daquela escultura, lacrando, então, a única entrada, com a cabeça da estátua que faltava. Ouviu-se um grito surdo e abafado, depois silêncio e nada mais.
         Diante daquele monumento, a bela jovem disse:
         “Aí está vossa punição por não ter se apaixonado”!
         A estátua respondeu:
         “Amei-te, por isso a recusei! Agora posso passar o resto da eternidade perto de ti, vigiando todos os teus passos”.
         A jovem, assustando-se ao ouvir a estátua falhar-lhe daquele modo, desequilibrou-se, caindo do pedestal sobre a única rosa deixada.  Os espinhos transfixaram seu corpo, a rosa a tragou para dentro da terra, para debaixo de suas raízes. O lugar imediatamente transformou-se, deixou de ser belo, passou a ser triste. E até hoje estão lá, o Vigia de Mármore que olha, contempla, vigia, aquela rosa que ninguém ousa tocar.
...
         Se  é mesmo que toda lenda tem um fundo de verdade eu não sei, contudo, eu estava indo para lá a procura do Nada.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

NADA E TUDO - Título Provisório - CAPÍTULO 5


CINCO

         A tarde caia abafada, mesmo uma brisa que soprasse vez ou outra era quente. Tinha-se a impressão de que naquela tarde a própria vida estava preguiçosa por causa do calor. Já fazia certo tempo eu esperava. Apesar de sua aparente indiferença e frieza, eu sabia que ele, o Nada, voltaria, afinal foi eu quem o tinha vivido. Mas à medida que a espera se tornava maior, eu sentia raiva.
         Eu tentava controlar aquilo, não conseguia, era muito mais forte que minha vontade. Algo me consumia, queimava, uma sensação oprimente, terrível. Levantei-me e comecei a andar, sem rumo, a passos vagarosos.
Tão vagarosa quanto meu caminhar a noite chegou, junto a ela, somando-se ao que eu já sentia, outra vez mais, a solidão - ainda mais forte e aterradora do que na véspera.
Encontrei-me com uma alma ainda mais perdida e confusa do que eu; era um amigo que eu pouco via, mesmo assim era confortável vê-lo. Era um rosto conhecido, que se alegrava em me ver. Dali a momentos depois, estávamos sentados num verde tapete, ressequido pelo Sol, riamos de coisas tolas, tomando do rubro liquido que, de tão quente, tinha gosto meio salobro. Mas o que importava isso? O sabor daquele líquido não tinha importância se comparado ao celebrar da amizade.
         Após ele ter dito uma asneira qualquer e ter feito a nós dois rir quase que a exaustão, fez-se um silêncio constrangedor, isso durou, acho, uma eternidade de uns três quartos de minuto. Joguei-me naquele tapete duro e áspero e fiquei contemplando a imensidão daquele céu negro da noite. Estava imaginando, em alta voz, para onde iria aquele infinito, fui interrompido por meu amigo:
_Nossa! O que você tem hoje?
         _Eu? Eu nada! Respondi.
         _Tem sim. Você está diferente, tem alguma coisa estranha contigo.
         _Como assim?
         _Não sei explicar, mas é que você é sempre tão igual, desde que te conheço, você é sempre a mesma coisa, e hoje está mudado.
         _Estou como sempre.
         _Não mesmo. Percebo apreensão e encantamento em você. Sinceramente, você nunca esteve de aparência, ao mesmo tempo, tão bela e séria.
         _Você está alucinando!
         _Deve ser mesmo, hoje é a segunda coisa estranha que percebo.
         _ O que mais você viu?
         _De tarde eu vi passar por mim uma pessoa realmente diferente.
         _Diferente como?
         _Ele andava como se estivesse se acostumando a isso, mesmo assim não vacilava ou hesitava. Seu olhar era curioso, porém vago, não parecia ser um homem, parecia uma espécie de sombra. Tenho certeza de que ele não é daqui, aliás, não deve ser de lugar nenhum.
         _Que caminho ele fazia?
         _Subia pelo Caminho das Pedras de Rosas, em direção ao Vigia de Mármore.
         Ao ouvir isso, num ímpeto, levantei-me, por hipotensão, somada a boa dose do rubro líquido que eu havia ingerido, tive uma vertigem, só não fui ao chão por que o meu acompanhante me segurou.
         _Preciso ir até lá!
         _Até o Vigia de Mármore?! O que você quer naquele lugar? Aquela sombra, você o conhece? Quem é ele?
         _Por favor, não faça perguntas, depois eu explico tudo. Tenho que ir e tem de ser agora.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

NADA E TUDO - Título Provisório - CAPÍTULO 4


QUATRO

O dia, cheio de vapores pesados e tediosos, já ia alto quando acordei. Tinha sido uma noite difícil, um sono estranho, pesado, sem sonhos, pareceu-me que eu pouco havia repousado, pois me sentia muito cansado ainda. Meu corpo inteiro, principalmente os braços, estava dolorido, minha cabeça latejava. Passei algum tempo ensaiando levantar-me, mas faltava-me ânimo e forças.
Os raios de luz que passavam por entre as frestas iluminavam irregularmente. Eu, deitado, ouvindo o som da vida correndo no ambiente exterior e da minha própria respiração, fazia um balanço sobre aquela estranha noite.
Eu revivia, mentalmente, cada cena da véspera e, apesar do calor, cada vez que me lembrava dele, de seu toque, de seu beijo, sentia um arrepio gelado percorrer minha espinha. Entretanto, naquele momento, a sensação mais estranha que eu sentia era quando me lembrava de seu olhar.
Seu olhar era frio, impessoal, algo perdido entre a inocência de uma criança e a tortura animalesca de um viciado em jogo. Parecia quente de desejo, porém um desejo que coisa alguma seria capaz de impressionar ou satisfazer com o que quer que fosse. Olhos que já viram muita coisa, de quase tudo, mas que não se impressionava. Parecia ter sede. Sede de ser visto, de ver, fome de vida!
Então senti sua falta, ele já fazia parte de mim, já o amava, precisava dele desesperadamente. Mas como encontrá-lo? Era o Nada por quem eu havia me apaixonado. Era impossível saber de onde vinha. De todos os lugares ou de lugar nenhum? Existiria alguém que o conhecesse e que me apontasse o caminho?
O desespero passou a apoderar-se de mim, de súbito levantei-me, escancarei as cortinas e janelas, a claridade exuberante invadiu o aposento de uma só vez, minha visão turvou-se. Tentando fugir da luz, me virei, deparando-me com um espelho, percebei um brilho diferente em meus próprios olhos, havia novas expressões naquele rosto, julguei, seriamente, se aquele era mesmo eu. Sim, era realmente eu, só que agora estava impressa em meu rosto uma prova irrefutável do amor que eu sentia. Tudo o que eu via diante daquele espelho era a imagem assustada da felicidade sofrida.
Em pouco tempo esta eu lá, novamente, exatamente como na véspera. Nos Lamentos, sentado no cálcio moldado eu esperava por ele.
À tarde mal havia principiado quando o Nada apareceu. Depois de um comprimento breve e sem importância seguiu seu caminho, como se o que tivesse acontecido não tivesse tido nenhuma importância. Fiquei sem saber o que pensar ou fazer, sua indiferença doeu em mim. Aquilo não podia ser. Foi por mim que o Nada tomou forma, foi por mim que ganhou uma vida. Por mim, tinha sido por mim!

sábado, 3 de dezembro de 2011

SEJA FELIZ...

Permita-se viver novas coisas. Experimentar novos sabores. Viva todas as paixões. Faça algumas loucuras. Curta as sensações. Entregue-se à novas aventuras. Faça o que tiver vontade, não se importe com os outros, mas tente não magoar ninguém. Seja sincero consigo mesmo ao extremo que será com os outros também. Ame, sorria, chore, dance, corra na chuva, contemple o céu, beije sem medo do que vier depois. Seja feliz... Afinal, no final, é só vc consigo e contra si mesmo.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

NADA E TUDO - Título Provisório - CAPÍTULO TRÊS


TRÊS

Percebi que o rubro liquido tinha seu efeito sobre mim, pois estava nauseado.
         “É isso, a embriagues está me fazendo alucinar!” – Pensei.
         Tentei ascender à luz, apalpei o interruptor uma, duas, três vezes em vão. Ascendi uma vela.
         Deitado naquele leito de solteiro, que nunca antes tinha me parecido tão imenso, desconfortável e gélido, meu olhar perdeu-se na chama bruxuleante que parecia dançar suavemente, mas, à medida que o tempo passava, o ritmo foi tornando-se mais intenso, algo chocante e selvagem. O leito começou a girar velozmente, agarrei-me com força aos lençóis de grosso algodão para não ser lançado longe. Todos os objetos, tudo o que existia ali parecia dançar, festejar. Os quadros nas paredes riam deliciosamente, até as próprias paredes contraiam e expandiam.
         Eu sentia uma solidão terrível, estavam zombando de mim. Rindo-se de mim. Festejavam contra mim. Uma fúria crescente me dominava, então berrei com todas as forças de meus débeis pulmões.
         Chamei por ele, eu precisava dele. O Nada, onde ele estava naquele momento? O que estaria fazendo? Por que não enfrentei o meu medo e continuei nos Lamentos com ele? Por mim ele havia tomado forma, por mim criou vida, tinha de estar ao meu lado. E se alguém se aproximasse dele? E se ele não viesse mais até mim? Se outro aparecesse? Sentia remorsos por tê-lo deixado, ciúmes por uma beleza, uma vida, um alguém que não existia.
 De repente aquela festa inanimada, insana, sem som, aquele espetáculo monstruoso, cessou, tudo estava em seu lugar como antes, coisa alguma se movia a não ser a chama da vela que balançava.
Aos poucos aquele ponto de luz, que tinha iluminado tudo até ali tão bem, foi-se tornando menor. As coisas a minha volta pouco a pouco foram sendo engolidas pela escuridão. Um grande peso estava sobre minhas pálpebras, os músculos dos meus membros superiores estavam doloridos e cansados, só aí percebi o quanto de força tinha feito para não ir ao chão, quase não podia movê-los, eu mesmo estava exausto física e mentalmente.
Muito embora precisasse, eu não queria, eu não podia. Mas a chama estava cada vez mais distante, menor. Jogaram areia em meus olhos, senti uma presença outra que não a minha. Comecei a virar-me, revirar-me, mexer-me, remexer-me naquele leito, entretanto sempre com os olhos fixos na chama. Minhas narinas foram invadidas por um forte odor, algo que remetia a eras passadas, outros tempos. Um cheiro de calêndulas, rosas, damas-da-noite e jasmim, acho que o mesmo das histórias contadas sobre ele, um perfume capaz de seduzir os homens, as mulheres, amansar qualquer fera, enfurecer qualquer donzela. Aquele cheiro era o do atroz destino, do senhor atemporal, do senhor da Dama-das-Camélias.
 Não, não e não..., a chama estava quase sumindo, não conseguia relaxar, e, se o fizesse, poderia esquecer tudo.
Não, não ainda!
 Escuridão... Adormeci.